29 – O Vigário e o benzedor

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
28 – Racionalidade da Sabedoria Popular
02/04/2020
30 – Os mortos e a Energia Material Humana
02/04/2020

Benzeção sem charlatanismo é dom de Deus

O vigário e o benzedor

 

                                       G. Fábio Madureira

 

Calça curta, pé no chão, lá ia eu com meus nove anos de idade. Um pouco contrariado! Afinal, já era coroinha há uns dois anos e o padre podia achar ruim de estar visitando uma benzedeira. Mas o que podia fazer? Já havia passado o remédio que o médico receitara. E como ardia! Nada, porém, de melhoras. Além do mais eu estava indo a mando de minha mãe. Ela disse que era a única coisa que podia dar jeito naquilo.

Seu nome era Angerca. Pelo menos era assim que a gente falava. Baixinha, meio corcunda, cabelos longos, foi logo me mandando assentar no toco de madeira que havia no canto da sala de chão batido. Perguntou-me o que que era. Disse-lhe que minha mãe falou que era cobreiro.

– Deixa eu ver…

Meio sem jeito, arregacei um pouco a perna da calça e deu para ela ver minhas virilhas. Minha pele estava toda vermelha e encanjicada.

– Tem quanto tempo?

– Mais ou menos uma semana.

– E por que só veio agora?

– Tava passando remédio…

– E por que não continua?

– Não tá adiantando nada.

– Esses doutor!… Não sabe nada e fica tapeando os outro. Num tem remédio pra isso não, minino. Só benzeção. Se ocê tivesse vindo quando apareceu, já tava curado.

E começou seu ritual. Folha de goiabeira! Picava e me mandava responder:

– É com isso que eu corto.

Não me lembro mais dos detalhes. Só sei que no outro dia o negócio começou a secar. Foi parando de coçar e daí a alguns dias minha pele estava novinha em folha. Que alívio! Da coceira. Do incômodo. E do ardume do remédio.

Como um coroinha responsável, estava doido para comentar com o Pe. Rubem e saber sua opinião. Mas tinha que esperar uma ocasião de só nós dois.

Ela apareceu. Ele foi dar a Extrema Unção num lugarzinho perto do Serro e me chamou pra ajudá-lo.

Na estrada, dentro de sua forreca, um ford bigode, puxei assunto.

– Pe. Rubem, benzeção é pecado?

– Se faz o bem, não. Por que você está me perguntando?

Tranqüilizado pela sua resposta, contei-lhe o meu caso.

– E o sr, acredita?

– Se sarou, só me resta acreditar.

– Não, sr. Padre. O sr. acredita em benzeção?

Foi então que ele me contou sua história.

Estava ele um dia na sacristia se aparamentando para a Missa, quando entra um fazendeiro conhecido. Muito católico e presente na vida da Igreja, veio perguntar se podia levar um benzedor à sua fazenda. Seu gado estava se definhando. Já havia usado todos os medicamentos e procedimentos recomendados. Mas o mal só fazia aumentar e se alastrar. Se continuasse daquele jeito, ia perder todo o seu rebanho.

Comentando com um amigo, também da roça, ficou sabendo de um benzedor que era tiro e queda. Bastava uma benzeção e o gado ficava novinho em folha.

– O Sr. acha que eu posso levá-lo, Padre?

– Pode sim, é claro. Mas primeiro eu quero ter uma conversinha com ele.

No mesmo domingo, de tardinha, o fazendeiro foi à casa paroquial levando o benzedor a quem o pe Rubem perguntou:

– O que o sr faz para curar a criação?

– Mando reunir o gado no curral. Faço minhas orações. Cruzo uns galhos de assa-peixe na porteira principal e depois saio abençoando as rezes.

– Além das orações, é preciso estes outros procedimentos? Perguntou pe Rubem, apelando para que ele fosse o mais franco possível.

– Na realidade não, padre. Basta eu firmar meu olhar no gado, que a bernedaiada cai toda.

– E por que você inventou todo esse ritual?

– Porque se não o pessoal não dá valor.

– Pois tudo bem. Deus lhe deu um dom e você vai continuar usando dele para fazer o bem. Mas sem iludir as pessoas. Isso é charlatanismo. E é aí que está o pecado. Portando, você vai à fazenda do meu amigo aqui e vai curar o gado dele. E tem mais: eu vou com vocês.

No outro dia cedo, rumaram para a banda do Lucas. Quando chegaram à fazenda, já estava na hora do almoço. E que almoço! Fizeram uma sestazinha, e lá pelas 13 hs o dono mandou reunir o gado.

O sol estava a pino e causticante. Era o ideal, de acordo com o benzedor. O curral ficou que não podia nem passar por entre as rezes. O benzedor se postou no meio da varanda e fixou o olhar no gado, girando-o lentamente da esquerda para a direita. No que seu olhar girava, os bernes iam pulando do gado parecendo enxame de pipocas.

– Agora o sr pode mandar seu vaqueiro buzuntar as feridas com azeite, porque já não tem nem mais um berne nas suas rezes.

– Como você vê, meu dileto, eu acredito. Acredito em Deus e na sua bondade em nos aquinhoar com seus dons. E somos muito mais capazes do que acreditamos atualmente. A gente é que não tem sabido lidar com os dons recebidos.