45 – Vida conjugal: relacionamento na direção do amor como pulsação cósmica

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
Por uma teologia da Sabedoria Popular
17/09/2020
Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.
07/10/2020

VIDA CONJUGAL:

relacionamento na direção do amor como pulsação cósmica.

Leonardo J. Jeber

         “O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes da vida; deveriam também governá-la”

Wilhelm Reich

Este texto tem como sua principal referência a teoria reichiana, baseada nos estudos e pesquisas de Wilhelm Reich, Cientista Natural, falecido em 1957, pioneiro para o que hoje se denomina de Psicologia Corporal. Está frase, acima, em epígrafe, que abre todos os livros de Reich, nos diz que o Amor é a primeira fonte, e a meu ver, a fonte de todas as fontes. Trabalho e conhecimento são produções humanas que podem ou não expressar amor. Falaremos neste texto, prioritariamente de amor, que além de ser emoção e sentimento está envolvido com nossa produção diária em termos de qualquer trabalho e com o que também produzimos como conhecimento.

Vivemos em sociedades e culturas que tem como sua base econômica preponderante, o capital financeiro/material como um valor extremado que afeta a todos nós pessoas que vivemos nelas. Uma coisa é ter finanças para uma vida digna, e que deveria ser para todos, outra coisa é a necessidade de acúmulo constante e desnecessário de bens materiais, para além do que realmente precisamos.Percebemos, mesmo que subjetivamente, que existe uma discrepância absurda no mundo em termos de distribuição de renda.Nos dias de hoje, mais do que antes, essas sociedades são chamadas de consumistas, lógica que também passou a objetificar seres humanos, isto é, transformá-los em objetos de troca rápida e fácil, de modo que temos também um mercado e uma economia de relacionamentos amorosos e sexuais, dimensões que deveriam estar juntas, unificadas, mas que na sociedade atual, e desde há um bom tempo, forma cindidas. É nesta sociedade, que buscamos pessoas como se estivéssemos em supermercados ou lojas dos shoppings centers.Temos todos que apresentar nossa embalagem, nossa marca e grife. Nos colocamos nas prateleiras para sermos escolhidos, de um modo completamente diferente de tudo o que o ser humano já tinha experimentado em termos de estratégias para sua busca por pessoas para a construção de uma vida amorosa em direção à uma possível conjugalidade. Essa lógica também permeia diferentes casais que já estando vivendo de forma efetiva um relacionamento conjugal, de médio ou longo prazo.A sociedade de consumo já existe há décadas e só foi crescendo nesta direçãode criar em nós a ilusão de que precisamos todos lucrar em todos os sentidos; mas em Reich podemos dizer que é melhor lucrar com todos os sentidos, já que, , somos saudáveis através de nossas percepções sentidas, porque como ele nos demonstrou, nossa racionalidade é sentida e está enraizada na natureza de nossa corporalidade. Esse lucrar que estou criticando, tem aqui essa conotação capitalista. De capital, todos nós precisamos, mas não no sentido de transformá-lo num deus que nos governa e escraviza. Mas é preciso perceber uma questão crucial aqui que Reich percebeu em suas pesquisas: a culpa não é do capitalismo e nem patriarcalismo, mas de todos nós, humanos que transformam o capital e um sistema social em um (falso) deus e o idolatram. O homem individual e coletivamente é o único responsável por destruir e bloquear sua capacidade natural para o amor. Todo ismo é um falso Deus, os homens os criam e depois deslocam sua responsabilidade culpabilizando os próprios sistemas que criou e que mantem, precisam achar um bode expiatório. Não fomos nós que assassinamos Cristo?

Com base na minha própria pessoa e em relações amorosas que já vivi, sinto que é difícil amar a quem se orienta pela lógica capitalista. Muita vez, a vida de casal fica tomada por conquistas materiais, deixando por menos, o investimento sentimental/moral. Eu sempre tive como princípio pessoal, que conquistas materiais e financeiras na vida conjugal seriam muito mais consequência da aliança afetiva-moral, do que o objetivo, mas sei que a dimensão econômica material também está presente nas expectativas dos cônjuges, pois como diz a sabedoria popular, quem casa quer casa.

Pois bem, a meu ver, sem se ter essa consciência, a gente pode se deparar com uma situação em que alguém faz do amor um balcão de negócios. Seu interesse é lucrar nessa perspectiva que estamos criticando. Portanto, defendo a ideia de que poderíamos dar consciência a cada pessoa que deseja viver amorosamente que desenvolva virtudese sabedorias e que veja com zelo com quem vai namorar e com quem vai querer se casar.Cada pessoa tem sua cosmovisão, uma visão de mundo, e pode estar cristalizado nela. Isso é uma observação geral, e não é simplória a meu ver, pois envolve muito autoconhecimento e conhecimento cultural e científico. Portanto, envolve um aprendizado que pode durar muito tempo em nosso percurso de vida, exigindo autoconscientização, pois todos estamos sujeitos a este modo de funcionar, considerando que vivemos nesta sociedade com está ênfase. É claro que também há muita resistência a esta tendência, embora, a meu ver ainda não seja numericamente significativa.

Assim uma pessoa, homem ou mulher, que ama assim, se mostra como um “Zé Ninguém” com a “Peste Emocional”, bem descrita pela Psicologia Corporal e Política do Cientista Natural Wilhelm Reich, que nos mostrou que tipo de perfil tem um Zé Ninguém. Todos nós, temos algo deste sujeito. E quem não sabe e não quer aprender a amar, só sabe usar o outro, provavelmente, porque já foi usado também, e perpetuamos um círculo vicioso. As vezes fica-se junto por conveniência, mas separado no coração. Desta forma somos negligentes com a vida de enamoramento e conjugalidade, fazemos de nós e do outro objeto, sem ser sujeitos conscientes de nossos desejos e vontades. Costumamoscair num narcisismo que faz com que fiquemossempre centrados em nós mesmos, rodeando em volta da gente mesmo, olhando sem parar nossa imagem refletida no espelho d’água, conforme o mito de Narciso. Não fazemos isso por maldade, já que a principal vítima deste modo de funcionar, somos nós mesmos, individual e coletivamente.

E assim nossa capacidade de amar fica comprometida em termos de sexualidade, pois a sexualidade é a dimensão que estrutura nosso desenvolvimento desde o nascimento, em cada fase da infância em especial.E uma pessoa, com a sexualidade genital bloqueada e reprimida, separada do coração, dificilmente terá capacidade de iniciar e de manter relacionamentos maduros. A chance de infantilizar todas as suas relações e tornando-se cada vez mais impotente diante da vida em geral e do sexo é o que ocorre. Assim e por isso, temos em nós um sujeito egoísta, narcisista, individualista, vivendo só relações de interesses que têm como base o medo e não o amor. Mas como sair desta situação?

Saber amar é saber-se com o outro por puro prazer em liberdade, o que inclui uma dimensão moral de responsabilizar-se pela vida, naturalmente ética, como demonstrava Reich. Prazer, gozo e êxtase, sexualmente falando é coisa divina, e expressa dois em “uma só carne”. Isso é um presente da Graça de Deus para nós, feitos à sua imagem e semelhança. Deus para Wilhelm Reich, a meu ver, expressava o mistério da existência da Energia Vital Cósmica, uma energia que está na base de toda a vitalidade humana, para crescer, sentir, pensar e agir saudavelmente.

Repito que toda liberdade pressupõe responsabilidade diante da vida. Por exemplo, são os dez mandamentos bíblicos que garantem nossa liberdade para sentir-pensar-agir virtuosamente em comunhão com o próximo. Sem esse balizamento, não conseguimos viver nossaliberdade e a confundimos com libertinagem. O mesmo vale para a nossa Constituição de 1988.

Como vemos, existem pessoas que “amam” como parasitas/sanguessugas. O que fazer se você se perceber assim, ou perceber que seu parceiro se comporta assim? Use a arma da verdade com amor e mostre a ela com todo o carinho e respeito, o como estão “se amando”. Isso é um sintoma da “peste emocional”, que está revelando inveja, ciúme, orgulho e soberba de nossa parte. E isso é uma pena, como canta George Harrison:

 

 

Isn’t it a pity? / não é uma pena?

Now, isn’t it a shame? / não é uma vergonha?

How we break each other’s hearts/ como partimos os corações

And cause each other pain/ e causamos dor uns aos outros

How we take each other’s love / como cada um de nós toma o amor do outro

Without thinking anymore/ sem parar mais para pensar

Forgetting to give back / se esquecendo de dar em troca

Isn’t it a pity? Não é uma pena?

Nenhum de nós é perfeito e temos limites em nossa personalidade. Mas estamos em aperfeiçoamento. Até um excesso de generosidade no amor pode ser ruim porque pode revelar uma tentativa de “comprar e dominar” o outro sendo sempre “gentil e bonzinho”. Costuma ser algo inconsciente que virou um jeito característico, ruim de funcionar, mas que pode ser transformado. Muitos casais acabam criando um certo jogo de dependência emocional. Todos somos limitados para amar em função das nossas características de personalidade que são formadas num dado contexto sócio-cultural-educacional, num percurso histórico de nossas vidas, desde nossa tenra infância, e que produz em nós fortes mecanismos psíquicos de defesa, os quais Reich chamou de encouraçamentocrônico.

Para recuperar a capacidade de amar é preciso de autoconhecimento e conhecimento através de processos educacionais, terapêuticos e psicoterapêuticos, pelo menos. Há outros recursos individuais e sociais. Uma vida espiritualizada (que pode incluir ou não uma prática religiosa)também parece ser imprescindível para aprendermos a não bloquear nosso cerne biológico onde vibra a pulsão primária do amor. No self,nosso eu profundo somos amor, e nosso trabalho essencial é evitar tudo que bloqueie a pulsão primária e essencial do amor. Gosto de traduzir amor como nossa capacidade emocional, sentimental e moral de cuidar da vida em seu sentido amplo e irrestrito, e estar presente com atenção de qualidade em tudo que fazemos em nosso dia-a-dia.

Para Wilhelm Reich, a saúde no amor envolve sempre capacidade natural para se expressar, isto é, expressar-se da forma mais autorregulada e espontâneapossível, aprendendo e sabendo lidar com o que a cultura nos dita como normas externas, heterorreguladoras, aquelas que vem do meio sócio cultural, inerentes a toda sociedade humana. Nossa sabedoria de viver pressupõe aprender a viver dialeticamente diante dessebinômio satisfação-insatisfação pulsionais, que é nosso sistema bioenergético de carga-descarga afetiva-emocional, em nosso sistema vivo, psicossomático. Por isso aprender a colocar limites em si mesmo e nos outros requer um aprendizado, o qual Reich mostrou em sua proposta de educação das crianças, na família e na escola, com base na profilaxia das neuroses, através da proteção à nossa capacidade de autorregulação.Somos sempre seres em busca do máximo de prazer, o que é uma inteligência do nosso sistema corporal, que quer sempre estar pleno em sua vitalidade, porém, a vida real é feita também de frustrações, desprazeres, dores, sofrimentos, e tudo isso é também oportuno para se viver um amor de verdade, como Reich também nos mostrou. Porém, só pessoas muito bem autorreguladas são capazes de adiar os prazeres e aceitar lidar com as situações e momentos de frustração e dor, por saberem que mais tarde e à frente poderão se realizar prazerosamente. Quem não consegue aprender a adiar os prazeres, e até mesmo perdê-los, corre o risco de passar a viver de alívios, que geralmente são confundidos com o próprio prazer, mas que não passam de buscas impulsivas e compulsivas de um falso prazer, na verdade alívios sucessivos insatisfatórios, conforme enfatiza a teoria da energia material humana do professor F. Madureira.

Podemos anunciar algumas pistas para que os amantes saibam se avaliar em suas relações amorosas: amantes que riem, sorriem e gargalham juntos, tem muita chance no amor; amantes que choram e sofrem juntos em solidariedade tem mais chance no amor; amantes que conseguem ficar em silêncio juntos sem se sentir incomodados, tem muita chance no amar; amantes que oram juntos tem muita chance no amor, orar como meditação, agradecimento, perdão e redenção. Amor conjugal é questão de pele e mais: liberdade e autonomia para ser quem se é com o outro, sem exigir do outro e de si mesmo coisas que nenhum ser humano pode dar conta ou oferecer. Não fazer do outro um tudo para preencher suas necessidades, pois nenhum ser humano é um Deus. Amor conjugal pede comunhão e criação de projeto de vida, onde cada um diz dos seus desejos, sem fazer disso um ultimato. A travessia conjugal pressupõe disposição para aprender juntos a caminhar no caminho do amor como projeto, que se materializa em curto, médio e longo prazo.

“Se eu me amo, eu te amo.Se eu te amo, eu me amo”.    Rumi

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma,

e de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento.

O segundo é semelhante a esse: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” Evangelho de Mateus

Existem pessoas que “amam” como desertos, encouraçadamente, diria Reich. Madureira (autor dos estudos sobre Energia Material Humana), diz que são pessoas frias que queimam como um gelo seco, fétidas, secas, ásperas e sal amargas: características da Energia Material Humana mortal (que é a energia vital que ficou aprisionada nas blindagens do corpo, da couraça psíquica e somática). Existem pessoas que expressam amor com base nascaracterísticas da Energia Material Humana positiva: calor, perfume, oleosidade e doçura. Se conseguirmos nos manter com essas características positivas seremos capazes de amar, crescer e permanecer no amor mesmo diante das mais inusitadas dificuldades inerentes a todo relacionamento. Nenhum de nós é um tipo puro, em termos de energia; o importante é buscar fazer prevalecer em nós a energia vital positiva e livrar-se da negativa, através de vários meios terapêuticos e educacionais.

Acredito ser este um jeitode amar saudável, um jeito conforme Jesus no demonstrou. Perseverando e renovando as alianças com fé em Deus. Fé para agradecer, louvar e glorificar a Deus por nos ter criado com e para o amor. Só por ele e com ele podemos viver o amor em plenitude através das características do amor, que nos foi apresentado por C.S. Lewis em seu livro Quatro Amores: Afeição-Eros-Filia-Ágape.Afeição, erotismo, amizade e comunhão a dois, numa pulsação de vida e de energia cósmica primordial que nos eterniza como seres criados à imagem e semelhança de Deus. Amar é dar conta de sair de si, abrir mão de si mesmo e servir primeiro o outro, e por mais difícil que isso seja, e de fato é, por mais paradoxal que seja, assim todos seremos servidos, um milagre que Deus nos deu de presente para vivermos a vida em abundância. Eis nossa tarefa e desafio. Pois foi exatamente isto que Jesus fez por todos nós, e ressuscitou para a Vida em abundância!

Bibliografia:

  1. lowen, aLEXANDER. A espiritualidade do corpo: Bioenergética para a beleza e a harmonia. são PAULO, CULTRIX, 1995.
  2. MADUREIRA, G.F. Racionalidade da Sabedoria Popular, energia material humana e sexualidade. Belo Horizonte, Mazza, 2007.
  3. MADUREIRA, G.F. Prazer ou alívio: o X dos sete pecados. (no prelo)
  4. REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. São Paulo. Brasiliense, 1993.
  5. REICH, Wilhelm. Escuta Zé Ninguém. São Paulo. Martins Fontes, 2000.
  6. REICH, Wilhelm. O assassinato de Cristo. São Paulo. Martins Fones, 1995.
  7. REICH, WILHELM. O ÉTER, DEUS E O DIÁBO. são PAULO. MARTINS FONES, 2003.

 

Leonardo José Jeber

Professor de Educação Física do Centro Pedagógico-UFMG.
Estudioso da Teoria da Psicologia Corporal e Política de Wilhelm Reich na Educação. Terapeuta em Análise Bioenergética.
Titular da Diretoria Administrativa e Financeira da Ong Ser em Si