20 – Ao vencedor as batatas!

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
19 – Origem do espírito da violência: quem cultiva o medo é impotente para o amor
02/04/2020
21 – Santa Maria, rogai por nós!
02/04/2020

No processo de comunicação da EMH só podemos dar a mortal/negativa, pois a vital/positiva só se compartilha. Isso nos leva a acreditar que a mortal/negativa seja mais poderosa que a vita/positiva. Entretanto, se analisarmos com maior profundidade, verificaremos que a vital/positiva é mais poderosa porque somente ela germina, produzindo novas vidas e o próprio futuro. Mesmo com seu alto poder de contaminação, a mortal/negativa não tem a capacidade de germinar, de produzir novas vidas.

Com seis anos de idade eu já ajudava meu pai lá na venda. Daquelas vendas do interior de Minas, lá no Serro, que chegam a vender de tudo. A nossa não chegava a tanto. Era de secos e molhados. Do toucinho à farinha. Do fumo de rolo à cachaça. Do grampo de arame ao querosene.

Claro que, com meus seis anos, eu era de pouca serventia. Mas, nos dias de movimento, como, por exemplo, o sábado, meu adjutório era notado. Tanto que, por algum tempo, meu pai chegou a me dar uma prata pro final de semana. É com ela que ia assistir aos faroestes e chupar picolé.

Como os vasilhames de querosene ficassem no chão da prateleira, uma de minhas tarefas era encher as meias-garrafas, que o pessoal trazia para comprar. Ai de mim se deixasse entornar uma gota! Lá vinha bronca. Mas, com bronca ou sem bronca,  o pior mesmo era o cheiro que ficava nas mãos dagente! Nem com sabão-de-pão esse malvado se espantava!

Outra tarefa, um tanto sazonal, mas que se encaixava nas competências de pirralho, era cuidar das cebolas e das batatas. É que, no tempo de chuva, devido à umidade, esse tipo de mercadoria era danado para apodrecer. Por isso, vira e mexe, a gente tinha de esvaziar o saco de linhagem no chão e separar as podres das sadias. Claro que o gesto de virar o saco cabia a algum adulto. O resto era comigo.

E foi aí que comecei a filosofar sobre o bem e o mal. Por que uma batata podre no meio de várias sadias consegue apodrecê-las? E por que uma sadia no meio de várias podres não consegue sará-las?

Essa coisa me deixava intrigado. Perguntava pra quem eu podia e não podia. Por vários anos essa questão me acompanhou.  Claro que aos poucos ela foi tomando novas proporções e feições. Principalmente na medida em que fui tendo a oportunidade de conhecer novas caras, tanto do bem quanto do mal.

Mas eu me estrepei mesmo foi em acreditar que o mal tem sempre alguma cara, como acontecia com as batatas. Porque, acreditando assim, e sendo a cara algo visível, eu poderia sempre dele me afastar ou combatê-lo. E foi o que tentei fazer. Mas, aos poucos, fui percebendo que ele já estava bem perto de mim. Pior ainda, que estava dentro de mim. Eu estava apodrecendo. Até meu suor já se tornara mal cheiroso! Isso depois de ter escutado que o mal é relativo. Que o que achava que era, não era. E por fim, tendo-o a corroer minhas entranhas, ter que discutir com alguns teimosos em afirmar que ele nem existe!

Até que fui, por uma questão de sobrevivência, descobrindo as suas artimanhas.

A principal delas é que ele nunca se apresenta, está sempre fantasiado. Uma outra é que ele nunca mostra a cara, sempre escondida atrás de alguma máscara.

O segredo, pois, era começar por desmascará-lo. Para isso tive que remexer toda a minha bagagem. E, por coincidência ou não, as pistas para a resposta fui encontrá-las lá na venda de meu pai, no balaio da sabedoria popular.

É que grande parte da freguesia da venda, se não a maioria, era constituída de pequenos sitiantes que habitavam a periferia do Serro. Autênticos representantes da sabedoria popular, vinham pela manhã, pés no chão, carregando seus balaios em cargueiros ou nas próprias cabeças adornadas de rodilhas, para vender o fruto de sua lida na terra: frutas, hortaliças, ou algum produto do seu trabalho artesanal como rapadura, farinha, queijo, etc.

Passavam pela venda, deixavam guardados alguns pertences e saiam pelas ruas da cidade apurando seu dinheirinho, de porta em porta. Findo o estoque, voltavam para a venda, tomavam uma cachacinha que, diga-se de passagem, não olhava idade, nem cor, nem sexo, e torravam seus ganhos naquelas mercadorias que não conseguiam produzir em suas casas. Trocavam alguns dedos de prosa, pegavam seus pertences e punham-se de novo na estrada, para estarem abrigados do anoitecer.

Eram pessoas simples, puras, honestas, generosas, solidárias e felizes. Não sei se por isso, mas também eram firmes, fortes e cheiravam a mato. Seu ideal de vida era de serem enxutas. E isso era facilmente constatado. Sabiam se virar na sua relação com a saúde. Tanto que não me esqueço da imagem de um senhor de seus setenta e poucos anos chorando, ao contar para meu pai que, pela primeira vez, entrara num consultório médico.

Pois bem, foi no reparo que punha nesse pessoal e em outras pessoas de minha terra, como os artesãos e as benzedeiras, que fui construindo para mim um ideal de vida e de sociedade. Tudo que vim a aprender depois tentava relacionar com aquelas impressões de criança. Até que tive de enfrentar o mal que já havia se instalado dentro de mim. Era ele ou eu. Ou o entendia, ou morria.

Juntando tudo e debulhando as partes, cheguei ao conceito de energia material humana. Era com essa dimensão da realidade material que eu não estava sabendo lidar. O entendimento da origem e do funcionamento dessa energia explicava tudo. E a sua característica que mais complica a nossa vida é o seu caráter ambivalente, podendo ser positiva/vital ou negativa/mortal. É por aí que a gente se perde. Principalmente quando temos que lidar no mundo da abstração. E é por isso que aquele pessoal da sabedoria popular só vivia no mundo da concretude e, consequentemente, da firmeza. Apesar de não terem consciência desse conceito, eles o encarnavam. Basta que a gente faça a análise de seu discurso ou de sua fala, como prefiro. Fala confirmada por uma prática de cultivo das virtudes e combate aos vícios.

A constatação desse caráter ambivalente da energia material humana me faz voltar à minha primeira questão filosófica. Tal como as batatas, também a energia material humana negativa/mortal contamina e a positiva/vital, não. Só que, no caso das batatas, não passava de uma aparente curiosidade. Agora, não. Tratava-se de uma questão de sobrevivência. Não só a minha, como de resto a de toda a espécie. Afinal, se a negativa/mortal tem esse poder e a positiva/vital, não, a conseqüência é a autodestruição da espécie humana e a destruição do planeta.

Isso porque essa energia, que a gente chama de negativa, é a expressão da morte em nós, daí também ser chamada de mortal. Ela é a matéria prima de todo processo destrutivo e autodestrutivo do ser humano. Não é sem menos que quando a produzimos ou reproduzimos temos, em seguida, o tal sentimento de culpa. É que, inconscientemente, sabemos estar cavando a nossa própria sepultura. É dessa morte que temos medo. Porque a morte natural, aquela que faz parte do ciclo da vida, não nos espanta. Estão aí vários relatos antropológicos para comprovarem essa postura de paz e aceitação do homem diante dessa morte natural, que prefiro chamar de tánatos.

Diante da gravidade que tomou a minha primeira questão de vida, passo a assuntá-la sistemática e diuturnamente. Num primeiro momento isso me causou uma

certa desesperança. Num segundo, cheguei até a sentir uma certa revolta em relação ao Artífice disso tudo. Por que a morte é mais forte que a vida?

Foi aí que me veio a luz. Finalmente encontrara uma resposta para a questão que as batatas da venda de meu pai me propuseram, agredindo o meu olfato.

De fato uma batata podre apodrece todas as demais. De fato uma sadia não sara nenhuma outra. Em contraposição, porém, podemos plantar um saco de batatas podres que nenhuma nascerá. Ao contrário, basta uma sadia ser plantada para podermos colher um saco de batatas saudáveis.

A batata podre contamina, mas não germina. A batata sadia não contamina, mas germina.

Serenou-se meu espírito. Voltei a ficar em paz com Deus. Voltei a acreditar no ser humano.

Hoje nutro a convicção de que o homem será vencedor. Isso porque foi criado à imagem e semelhança de seu Criador. E como co-autor neste processo de criação, essa criatura criadora, na medida em que compreender porque e como tem destruído e se auto-destruido, irá superar esta etapa da história. Para isso terá que passar a ver que a realidade material vai além da mera massa. Que matéria é uma relação entre massa e energia. E que essas duas dimensões devem viver em harmonia, para que nos tornemos sujeitos de apenas energia material humana positiva/vital, a matéria prima da vida, da saúde, da beleza, do prazer, do gozo e do êxtase.

E viva a profecia de Quincas Borba: “Ao vencedor as batatas”!

G. Fábio Madureira