40 – Casamento de Freud com Marx

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
39 – Lógica formal x lógica dialética
02/04/2020
AGUADO
02/04/2020

Os limites de ambos em alcançar a verdade foi, de alguma forma, não ultrapassarem a lógica formal

CASAMENTO DE FREUD COM MARX

                                          G. Fábio Madureira

 

O meu primeiro contato com a teoria como instrumento de explicação do mundo foi a teoria religiosa (católica). Não me satisfez porque todo fenômeno real para o qual ela não tinha solução, entre os dados objetivos, ela apelava para uma outra vida. E além do mais, ao nível teórico, achava-a bastante dialética, mas a sua prática era predominantemente formal.

Nego a religião e abraço a ciência positivista, na expectativa de encontrar respostas para minhas questões. Reencontro a mesma contradição, e por incrível que pareça, numa dimensão mais aguçada (texto da França). Sua prática é de desconhecer o fato objetivo inexplicável pelos seus conhecidos instrumentos, não se questionando jamais a capacidade de observação desses mesmos instrumentos. Sua postura diante da teoria então prevalente é de transformá-la em doutrina, recriando, a nível da realidade objetiva, um mundo povoado de mitos, santos e papas, orquestrados pela negação lógica da existência de deus. Sua estrutura teórica é, pois, predominantemente formal e sua prática, mais religiosa e ritualista que o catolicismo, pois com ela seus mitos não falam em nome de um deus e sim como deus. Assim existe a possibilidade concreta de se falar diretamente com deus e ser, em vida, por ele eternamente condenado por algum pecado mortal (questionamento de sua “teoria” ou doutrina), ou abençoado pela virtude suprema (acreditar cegamente).

Com um certo receio de não conseguir compreender, começo a fazer algumas incursões pelo materialismo histórico, até me deparar frente a frente com Marx em O Capital. A primeira reação foi de desmistificação. Ele não tem nada de difícil no seu aspecto teórico – filosófico. A segunda, de um certo deslumbramento: de fato ele conseguia responder teoricamente a um tanto de questões que borbulhavam em mim. A terceira, de uma postura crítica: havia momentos em que, por não senti-lo coerente, sua análise me confundia. O João Bernardo, de uma maneira clara e cristalina, chega e mostra a contradição básica de Marx: ao analisar a realidade ele se utiliza do método dialético mas não consegue se desfazer, de todo e em tudo, da dimensão da lógica formal.

Entrementes, a minha relação com meu corpo e com o mundo entra num processo de degradação tal que, contra toda a minha convicção de “materialista histórico”, sou forçado a me submeter ao burguês processo analítico. Num primeiro momento, ele aguça de tal maneira o processo de degradação de minha vida que tenho a sensação de ter chegado, em um determinado instante, a apenas 5% de minha potencialidade (racional, emocional e biológica). Quando chego aí, talvez por necessidade de sobrevivência, começo a costurar religião com ciência positivista com marxismo com psicanálise com parapsicologia com filosofia oriental com sabedoria popular. Isso me conduz a um resultado que me proporciona condições de começar a explicar minha própria verdade e ir recobrando, paulatinamente, a minha capacidade de viver (comer, dormir, andar, raciocinar, relacionar-me com o outro).

Nesse ponto, começo a me sentir capaz de encarar a psicanálise de frente. E consciente do seu papel positivo no meu processo, dou-me o direito de questionar os seus limites teóricos e práticos, já que ela, por si, não era mais alavanca no avanço sobre mim mesmo. Descubro, então, que seu limite essencial é a mesma contradição que encontrei nas demais teorias: lógica formal X lógica dialética. Não se pode negar que o processo psicanalítico tem como base o método dialético. Entretanto, por contingências históricas, Freud não ultrapassou sua conjuntura (capitalismo, burguesia, urbanismo), não ultrapassando, portanto, a realidade que tem por base material de sustentação e reprodução a lógica formal. Seu método consegue dissecar a realidade formalmente conformada pelas condições hegemônicas da história, mas não tem fôlego teórico suficiente para dissecar aspectos da realidade dialeticamente estruturados.

Reich tentou, por causa de sua prática política (a psicanálise não a explicava) e por causa de sua prática psicológica (o materialismo histórico não a esgotava), elaborar uma teoria síntese desses dois campos teóricos. Entretanto, também pela sua prática, seu método se assentou na lógica formal, na ciência positivista: chegou ao cúmulo de investigar em laboratório uma medida da felicidade humana: o orgone. Como se vê, seu método foi o quantitativo, seu alvo o produto. Seu objeto de análise, o orgasmo. Mais formal não poderia ter sido.

Acredito que podemos, hoje, recuperar todas essas contribuições teóricas numa outra dimensão tendo como base a antevisão de Reich, mudando entretanto o objeto de análise (orgasmo) e o método (formal). Há que se analisar dialeticamente o processo que gera o orgasmo como meio de produção da vida. Aí sim, realizar-se-á materialmente o sonho louco de Reich: o casamento de Freud com Marx.

29/10/87