3 – A Sagumana ou Deus e o diabo na terra do só

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
2 – Boca Boa!?
02/04/2020
5 – Prazer ou alívio
02/04/2020

Quem não sabe se amar é incapaz de amar o outro.

Para aumentar seu grau de liberdade, o homem
foi perdendo sua ciência do amor.
Desaprendendo a amar, o homem foi
progressivamente diminuindo seu
grau de liberdade, tornando-se escravo
da cultura.

Como vêem, estou plagiando o título do filme de Glauber Rocha. Mas vocês vão ver também que não é um plágio do conteúdo, e sim, da forma.

Tudo começa lá no paraíso. Era Deus querendo o homem à sua imagem e semelhança e o homem perdendo sua dimensão divina.

E Deus deu tudo de Si ao homem. E principalmente a liberdade. Mas liberdade para criar, não para destruir. Por isso impôs-lhe a proibição do fruto. Afinal, qualquer sistema físico, para que subsista, obedece a um mínimo de leis.

E foi por aí que o diabo surgiu. Convenceu Eva de que ela e também Adão não deviam ser escravos de leis. Que essa tinha sido a forma que Deus arrumara para que o homem não fosse igual a Ele.  Que na medida em que se livrassem dessas leis, podiam se tornar deuses. Portanto, não só podiam como deviam comer do fruto proibido.

E foi aí que tudo começou.

Eva já entendera ser ela a árvore da vida. E, portanto, seu fruto não era totalmente proibido. Maduro, não só podia como devia ser comido: “Crescei e multiplicai-vos”.  Mas Eva gostaria de tê-lo sempre maduro. Por isso deu o grito de independência em relação aos grilhões do cio. Inspirada pela serpente (símbolo fálico?), ofereceu a Adão seu fruto ainda oco, sem a seiva da vida, o sangue.

E o ritmo da natureza foi quebrado! Não era mais “dois numa só carne”, pois que não há carne sem sangue. A ligação com o divino começara a se desfazer.

Mesmo assim continuavam vivos. Apenas com um pouquinho de vergonha! Mas nada de drástico acontecera, a não ser o puxão de orelhas do Senhor e a expulsão do paraíso, ou seja, da relação de harmonia com toda a natureza. O importante, porém, é que de agora em diante podiam deixar de ser escravos das leis da natureza.

E o homem começou a acreditar que podia dominar totalmente a natureza, não só a sua como aquela que o rodeia. Agora, não mais numa relação de harmonia com suas leis, e, sim, numa relação de transgressão e até de agressão.

E começou a desgraça! A energia material humana mortal/negativa começou a ser produzida e deixada por herança: a má água, mágoa, mácula, mancha. A mulher passou a parir com dor. O trabalho foi amaldiçoado com o suor do rosto. A erva passou a ser alimento humano. E o homem passou a ser sujeito e objeto da dor.  Dor que virava doença, que virava morte. E o homem começou a se desgostar da vida e de si próprio, inaugurando a lógica do alívio, pondo em lenta e progressiva agonia a lógica do prazer, da vida.

Mas Deus é Amor. Como tal, não podia deixar que a criatura à sua semelhança perdesse essa dimensão. Era preciso religá-la a Si novamente. Por isso mandou o seu Filho. E pra que fosse seu filho, imune às ciladas do demo, tinha que nascer sem a tal da mancha do pecado original, puro de energia material humana mortal/negativa. Por isso Ele próprio, através de seu Espírito, engravidou uma Virgem que deu a luz a um menino, a quem chamou de Jesus.

Sua missão era resgatar a vida do paraíso, da inocência original, da dimensão divina do homem. E para isso Ele tinha que vencer a morte que o homem, insuflado pela sua dimensão demoníaca, tinha criado.

Mas antes desse seu principal ato, tentou deixar para o Homem um tanto de ensinamentos de vida, resumindo todos num só mandamento: “Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”.

Por aí acreditava estar dando um nó cego na tática do demo. Afinal, até então, o homem se perdia no meio de tantas leis e mandamentos. E além do mais, com esse, Ele colocou bem claro que a referência do bem (e do mal também) está no próprio homem. É só uma questão de respeito às leis da sua própria natureza. Em sintonia com essas leis o homem é sujeito do bem, isto é, do amor. Por isso a primeira das leis é amar-se a si próprio. O respeito a essa leva ao respeito das demais.

Mas o demo não perdeu tempo. Mesmo sabendo da irreversibilidade do poder da morte e ressurreição de Cristo, quis ganhar espaço e prolongar o seu co-reinado.

Se antes, pelo questionamento ao poder da liberdade, impediu o ser humano de ser sujeito de amor, agora, pelo questionamento ao poder do amor, irá impedi-lo de ser livre. Sem liberdade, sem dimensão divina. Sem dimensão divina, presa fácil sua.

E foi assim que ele se aproveitou da ideologia grega da falacidade  dos sentidos e a introduziu na interpretação dos ensinamentos de Cristo. De posse dessa ideologia, que põe em dúvida o poder dos sentidos de captar a verdade, portanto, do indivíduo perceber sua própria natureza, fez reinar em todo o saber dominante a infalibilidade da razão.

Cultivando-a e cultuando-a cada vez mais, a chamada civilização foi progressivamente desvalorizando a dimensão da energia material humana, pois que essa só é percebida pelos sentidos. E a revolução francesa põe a pá de cal no valor aos sentidos, ao entronizar a razão como a única e legítima deusa da humanidade.

Daí pra cá, o co-reinado do demo tem sistematicamente ampliado seu espaço e importância. Principalmente com o advento e evolução do saber tecnocrático, que descarta por completo, e com ares de cientificidade, a dimensão da energia material humana.

Por isso que da bandeira de liberdade, igualdade e fraternidade, só tem restado para o ser humano o pau. Não só o pau como símbolo fálico, como também como sinônimo de violência. Afinal, sem a consciência da noção de energia matrial humana, os chamados valores humanos também vão desaparecendo. E, assim, o homem cada vez mais tem tido menos capacidade de se amar e mais condições de se odiar.

E o demo ri à toa. Afinal, conseguiu tirar do homem toda sua percepção da dimensão energética com que se conectava pelos sentidos. Com isso, todo saber que lhe permitia conhecer a si próprio foi sendo desqualificado e dizimado. Com isso, seus espaços de individuação foram sendo sistematicamente encurtados. Com isso, seu grau de liberdade foi sendo reduzido a zero. Com isso, sua capacidade de se amar foi sendo totalmente esvaziada. Com isso, seu senso de fraternidade foi se convertendo numa busca insana de individualismo. Com isso, a terra passou a ser a morada do homem-só.

Com o discurso de liberdade total e igualdade a Deus, o demo foi fazendo o homem perder sua capacidade de amar, passando a viver mais pelo medo da morte que pelo amor à vida.

O Pai interfere no processo histórico e manda seu Filho. Esse enfrenta a morte e reensina ao homem o poder do amor.

Mas é aqui que o demo tem feito seu estrago. Vem envolvendo o homem com seu manto, impedindo-o de se sentir como natureza e estimulando-o a temer a natureza que é e que o cerca.

E na medida em que não sente sua natureza, o que o homem tem feito é agredi-la sistematicamente, produzindo e reproduzindo a tal da energia material humana mortal/negativa, matéria prima de todos os males individuais e sociais.

E aí ele, demo, aparece como a solução e com as suas soluções.  Primeiro foi uma campanha sistemática e intensa, às claras e subliminar, de que a terra (natureza) era e cada vez mais é fonte de muitas doenças. Tal campanha pegou tanto que ninguém mais anda descalço. Agora, é a vez de se atacar o sol (também natureza). Esse, que até status de divindade já teve, hoje passou a ser visto “cientificamente” como causa de um tanto de doenças. Vitória do demo! A terra do sol agora é sua!

Será mesmo o sol causa de tais males?! Ou não estará ele apenas fazendo aflorar na nossa pele a energia material humana negativa ou mortal que temos produzido e processado nas nossas entranhas, coletivas e individuais?!

Com esse saber anti-natural e cada vez mais complexo, o demo vai  fazendo do homem  seu escravo fiel. Em tal monta que esse homem nem sabe mais responder minimamente aos dois principais instintos, jamais negados em lugar e tempo algum: sobrevivência e preservação da espécie!

O indivíduo não sabe mais se alimentar por si próprio: precisa de alguém que lhe ministre uma dieta.  A relação homem e mulher está cada vez mais complicada e conflituosa, já rondando a raia do impossível. A questão já não é mais parir com dor e, sim, não mais saber parir. Precisa-se cada vez mais de uma tal parafernália para que essa ação, que é natural em toda criatura, tenha continuidade na espécie humana!

Envolvido nesse manto energético de negatividade que o homem criou e continua criando e recriando, o indivíduo tem tido cada vez mais ojeriza de si mesmo. É que essa energia é frígida, fétida, seca e sal amarga. Por isso vai inventando e lançando produtos pra poder conviver minimamente com suas inhacas: sapatos, desodorantes, perfumes, cosméticos, pomadas, estimulantes, silicones, etc.

Assim, com cada vez mais medo de se relacionar, continua se acreditando inquestionavelmente sujeito de amor. E quando se mete a exercitar essa função, (e como se mete?!) não consegue desnudar seu individualismo. Por isso o “amor” só é feito embalado. E é essa casca que está por aí gritando de galo e de gala. Mas na realidade o resultado é predominantemente de energia material humana mortal/negativa: doenças, violência e morte.

No fundo, no fundo, reina um vazio (de seiva) cheio de solidão. Por enquanto! Porque o Filho não veio em vão. Nessa luta sou mais Ele. O demo está com seus dias contados. O homem começa a tomar consciência de que tem que se livrar desse manto de energia material humana mortal/negativa, que ele próprio criou e tem recriado, desde que inaugurou a lógica do alívio.

Na medida em que for reaprendendo a se desnudar desse manto, ele voltará a saber a se relacionar com sua dimensão divina. Essa é sua real natureza. Para isso foi criado. Para isso Cristo veio e morreu nos entregando o “sangue da nova e eterna aliança”.  E com sua ressurreição reabriu as portas do paraíso.

Cabe agora ao homem, e ele já pode, pois já experimentou do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, a reconquista da inocência original. A reconquista da lógica do prazer, da capacidade de fruir a vida, de cultivar o reino da energia material humana vital/positiva.

Reconquista que passa pela tão sonhada liberdade pela qual Cristo morreu: liberdade que rime com as leis da natureza. Colhendo o fruto amadurecido pela seiva da vida, voltará a saber amar a si. Sabendo se amar, saberá amar a seu próximo, principalmente aquele que escolheu para seu par, na missão de produzir e reproduzir a vida.

E voltaremos a assistir a Deus na terra do sol, amando-O.

G. Fábio Madureira