18 – Racionalidade e espiritualidade (cristã)

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
17 – Sabedoria Popular X Ciência:
02/04/2020
19 – Origem do espírito da violência: quem cultiva o medo é impotente para o amor
02/04/2020

Todo indivíduo cultiva a sua dimensão espiritual. A questão está é no modelo de "racionalidade" hegemônico que não passa de modelo de racionalização ao negar a dimensão de energia da matéria.

É inquestionável a ligação direta entre a mensagem cristã e o direito natural. Entretanto, o modelo de racionalidade até hoje usado para compreender e explicar  a proposta de Cristo tem paulatina e progressivamente rompido com essa relação. Cada vez mais me convenço disso, principalmente ao constatar, no dia-a-dia da nossa vida “cristã,” aumentar-se o fosso entre a teoria e a prática, entre a palavra e o gesto,entre a profissão e o testemunho.  Isso, sem falar desse mesmo paradoxo atravessando os séculos: as cruzadas, a inquisição, a colonização das Américas, o massacre das civilizações indígenas e a escravização da raça negra. Aliás, é também a essa contradição que tendo a atribuir a causa do celibato obrigatório, na igreja ocidental, para seus ministros, os mensageiros do amor, passando para nós leigos a impressão de que, na prática, só o celibato é caminho da pureza. (“o matrimônio é um mal necessário”, palavras de um ilustre prelado na década de 60)
É que esse modelo de racionalidade se fundamenta na lógica formal, modo de pensar historicamente determinado, de origem urbana, que vê a realidade através de categorias bem definidas, desprezando sua dimensão relacional. É essa lógica que consagra uma visão estanque de sujeito e objeto, onde um não pode ser o outro. E é a partir daqui que nasce, cresce e se consolida a ideologia do poder, da autoridade, da dominação, da exploração e do artificialismo (realidade urbana), fundamentos indispensáveis à perpetuação do patriarcalismo, cuja face mais visível e avançada é o atual capitalismo.
E para amarrar tudo isso de forma definitiva, ela põe na razão toda a fonte legítima de sabedoria, desqualificando os sentidos através da famosa tese da falacidade e, em se desqualificando os sentidos, não tem como não desqualificar os sentimentos ou emoções.
Em cima de um sistema  (software) com essas características, como fazer rodar um programa como o dos Evangelhos, cujo conceito básico é o do amor?  Amor só pode acontecer numa relação entre iguais, onde ambos sejam sujeitos. Nesse sistema esse tipo de oração não roda. Não é à toa que os formuladores da lógica formal e todos os seus seguidores (Freud incluso) sempre viram a mulher como um ser sem referência em si, ou seja, um ser impotente que tem sua referência no homem. O que, em outras palavras, quer dizer que ela nunca passa do objeto da oração que tem o homem como sujeito. Se na micro-realidade social, que é a família, amor não é algo que se produz nem se reproduz (veja-se a progressiva desintegração do instituto do matrimônio), como na macro-realidade da sociedade esse conceito pode ser vivenciado?
E para dar um nó cego no processo de humanização da sociedade, que é o que Cristo pregou, a lógica formal gerou e ainda sustenta um conceito de matéria que nos impede de interagir com qualquer realidade transcendente (Marx que o diga). É o conceito da mecânica que ainda permeia toda a nossa visão de mundo, onde matéria não vai além da dimensão da massa, nos impedindo de alcançar a  dimensão da energia.
Mas a história avança assim mesmo, e o homem só anda para frente, mesmo quando parece estar dando ré. Rompendo com as amarras e limites da lógica formal, Einstein foi buscar na filosofia oriental as bases (um outro software) para formular um novo conceito de matéria, e com ele recuperar a dimensão de energia que a sabedoria popular ou a sabedoria dos humildes (não contaminada pela sabedoria dos soberbos, veja-se o Magnificat) jamais havia deixado de lado. E acredito estar aqui a explicação da boa aceitação que o Cristianismo (com ou sem sincretismo) sempre teve junto às camadas chamadas populares que cultivam (ou cultivavam?) a sabedoria popular.
Einstein só pode revolucionar a física porque a lógica que sustentou sua visão de mundo passou da formal para a dialética. Pois essa é a lógica da natureza, da solidariedade e do amor. Nela sujeito é objeto e objeto é sujeito, porque nela o foco não é o elemento (categoria) e sim a relação entre eles, a sua dinâmica. E ao apreender a relação e ver que é nela que se encontra a força, a energia, realidades como dominação e exploração  deixam de ter sentido. Poder e autoridade passam a ser relativizados. O conceito de indivíduo deixa de ser o de uma realidade estanque e autônoma e passa para o de uma realidade dinâmica e sistêmica. E assim o invisível passa a ser levado em conta, chegando a ser necessariamente percebido. E na medida em  que é percebido passa a ser vivenciado, desafiando continuamente a nossa compreensão. E Deus ( que é um em três, querem mais dialética do que isso?) deixa de ser mito e passa a ser mistério. Deixa de ser a sombra que nos oprime, e passa ser a luz que nos guia ( “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”).E se eu sou matéria que é também energia (“E o Verbo se fez carne”) também eu sou uma parcela divina. E como tal, meu corpo é sagrado (“Vós sois templo do Espírito Santo”). E se eu usá-lo dentro da lógica da natureza, que é a dialética, eu estarei sendo um instrumento de construção e reconstrução do amor-verdade. E impregnado de amor, no corpo e na alma, a única coisa que saberei fazer é espalhar o reino de Deus (que é só amor) aqui na terra, buscando recuperar o reino da inocência original, onde o prazer é uma fonte legítima e pura de saúde e de verdadeira vida. (Não o “prazer” pontual, cuja melhor denominação seria alívio, sentido apenas no pretenso presente, fruto de compulsão; mas o prazer processo, fruto do desejo, que incorpora toda a realidade de passado, presente e futuro, ou seja, percepção, fruição e deleite, como no caso da comida: cheiro, gosto e paladar.)
A questão, pois, da espiritualidade X racionalidade se coloca muito mais do ponto de vista da racionalidade. A espiritualidade todos cultivamos de um jeito ou de outro. Todos nos movemos, gestos, hábitos e ações, ou pelo princípio (espírito) do medo ou pelo princípio do amor.O que vale dizer que todos temos fé, seja no medo/dor, seja no amor/prazer. É portanto apenas uma questão de conversão. O problema está é em resolvermos nossa questão com a racionalidade. Aqui a questão é mais complexa por se tratar não mais de conversão, mas de migração.
Como já disse, nosso modelo natural é o da dialética. Entretanto quase toda a nossa formação (educação?!) se deu no modelo da lógica formal. E nessa lógica o programa do amor não roda, pois ela reproduz o poder, a dominação, o estratificado e o estático. O máximo que se pode é fazermos de conta que o programa do amor está sendo rodado, numa autêntica realidade virtual.É que esse software pode até conviver com o da lógica dialética, mas essa convivência vai gerar as tais das ambigüidades, dubiedades, incoerências, incongruências e até mesmo os surtos de esquizofrenia.
A solução, de fato, para que tenhamos harmonia e consigamos trilhar o caminho da felicidade, é promover em nós mesmos um choque de migração ou, se queiram, remigração para o modelo natural da dialética. Com ele podemos rodar o programa do amor, apagando  progressivamente o programa do medo, e reencontrando paulatinamente a magia do Deus que, em algum momento, experimentamos  na nossa infância, e assim passarmos a experimentar o “Verbo que se fez carne”, através de uma vivência de  amor que não tenha fronteira entre discurso e prática.

G.Fábio Madureira