14 – Mandamento Original

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.
13 – Materialismo e espiritualismo
02/04/2020
15 – Fase umbilical
02/04/2020

Do ponto de vista da teoria da energia material humana é também falso o dilema entre criacionismo e evolucionismo, estando esse imbutido na própria determinação divina que, além de se multiplicar, manda ao ser humano também que cresça.

“Crescei e multiplicai-vos”. Nessa dupla e dialética missão já está embutida a idéia de evolução. Ou por outra, Deus não nos criou, continua nos criando. Não é um ato acabado e, sim, se processando. Se já nos tivesse feito prontos e acabados, não nos diria para crescermos. Além do mais, é crescendo que participamos de sua criação, “à sua imagem e semelhança”. Daí ser falso o dilema entre criacionismo e evolucionismo.
Ao associar a missão de crescer com a de se multiplicar, dá-nos a entender a dimensão divina da sexualidade. A missão não é só de multiplicação, mas também de crescimento, criação. E é essa a outra função da vivência sexual, mas que não tem sido compreendida. E porque não compreendida, o ser humano, ao exercê-la, tem agredido as leis da natureza que o regem.
Essa é a função que permite ao indivíduo tornar-se sujeito de sua própria vida. Isto é, além de se reproduzir à imagem e semelhança de seus pais, ele pode se produzir à imagem e semelhança de Deus.
Esse devia ser o sentido da história humana. Na medida em que esse sentido foi sendo desvirtuado, a partir do pecado original, o Pai mandou ao Filho que viesse para nos redirecionar no verdadeiro caminho. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.”
Para nos tornarmos sujeitos de nós mesmos, porém, temos que entender como se deu e como continua se dando o pecado original. Se não, continuamos apenas nos reproduzindo, sem produzirmos um novo homem, sem cumprirmos a determinação de crescermos..
Cristo veio para nos redimir. E a redenção é exatamente a nossa libertação dos laços do pecado original, ou da mancha, da mácula, da má água, que é a matéria prima dos pecados capitais, através dos quais atualizamos e amplificamos essa mancha. Daí ter Ele sido concebido sem pecado original, passar sua vida pública condenando os pecados e perdoando os pecadores, e escolher o lenho (produto da árvore) da Cruz para consumar sua missão redentora.
E é aqui que se inicia o processo de explicitação do pecado original na saga humana.
O ser humano, percebendo que através de sua vivência sexual produzia energia, força, passa a querer se livrar dos limites impostos a essa produção pelo cio biológico da fêmea, determinado pelo seu período fértil, em que o afluxo sanguíneo proporciona naturalmente o intumescimento vaginal e a consequente  fusão genital. O fato de o cio acontecer, porém, em curtos períodos e de desaparecer durante a gravidez foi passando a ser percebido como limitador do crescimento e da evolução do ser humano.
Mas se aos poucos vai se libertando desses limites, vai também conhecendo (produzindo) o mal. Desconhecendo a dinâmica de sua própria natureza, passa a agredi-la, nessa busca de libertação, inaugurando o modelo de fissão genital. É a essa agressão que chamamos de pecado, pois é ela que gera a desarmonia no nosso sistema natural, impedindo a interação  entre os sistemas sanguíneos dos parceiros. Se antes dessa agressão só se produzia energia material humana vital/ positiva, agora passamos a produzir também a energia material humana mortal/ negativa. Se antes dela só se produzia amor, agora passamos a produzir a inveja também.
Por isso Deus-Amor, no seu processo de criação, vendo o ser humano tomar o rumo da autodestruição e da destruição de sua obra, sente-se obrigado a intervir. Faz-se Homem para nos ajudar a recuperarmos nossa dimensão divina, de amor. Por isso o único mandamento que nos lega é o do amor: “Ame a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. Mas para isso nos prega ao mesmo tempo a necessidade de aprendermos a nos libertar do pecado, ou seja, a não agredirmos a nossa própria natureza, a não produzirmos/reproduzirmos a energia material humana negativa/mortal.
O que Ele tinha de ensinar está nos Evangelhos. Cabe a nós (nossa parte) entendermos o funcionamento e a evolução do pecado original para podermos superá-lo e voltarmos a ser sujeitos apenas de amor. E aí estará instaurado o reino de Cristo na terra.
A trajetória humana já produziu os conhecimentos necessários à compreensão desse fenômeno, a que chamo de processo de superação do cio biológico, cujo sentido é o ser humano se tornar sujeito do cio psicobiofísico. Do que já pude ler, Santo Agostinho foi o que mais chegou perto de sua compreensão, ao associá-lo à concupiscência da carne. Só que, pelo estágio de conhecimento de então, ele não teve condições de explicitar o processo dessa concupiscência.
A obra de Freud fornece os elementos necessários a essa explicitação. E, no meu entender, aí está a sua grande contribuição para a evolução da humanidade. Ao enfatizar o papel determinante da pulsão de morte, num modelo de sexualidade onde ele vê a mulher como um ser sexualmente não referenciado, ele explicita o ápice do processo de superação do cio biológico, determinado pela incompreensão do pecado original. Ao fazê-lo, permite-nos extrapolar para um modelo antitético, invertendo o sentido histórico desse processo de superação.
A obra de Reich vem complementar a sua, fornecendo os elementos necessários à explicitação desse modelo antitético, principalmente em seu livro “A função do orgasmo”, em especial com seu conceito de potência orgástica, que supõe a potência genital feminina como condição necessária para a fusão genital com seu parceiro.
Só que ambos trabalharam com o conceito de matéria da mecânica. É Einstein que vem questionar esse conceito e nos permitir uma releitura das obras de Freud e de Reich, a partir do conceito de matéria incorporando a dimensão da energia.
Essa noção de matéria sempre esteve presente na visão de mundo da sabedoria popular, emprestando-lhe uma racionalidade que evolui na busca de compreensão e respeito das leis da natureza. Talvez, por isso, tenha sido ela a grande interlocutora do cristianismo, desde o anúncio dos Evangelhos. Entretanto, por não entender o conceito de pecado original e, não tendo consciência de si mesma, a sabedoria popular vem sendo suplantada pela “racionalidade” mecânica, que nega a dimensão da energia existente na matéria, ao mesmo tempo em que o cristianismo vai se afastando, de alguma forma, do seu projeto inicial.
Na medida em que a sabedoria popular explicite sua racionalidade, incorporando o conceito de pecado original, passamos a dispor de condições objetivas para avançar no processo de superação do cio biológico, para a conquista do cio  psicobiofísico. Agora não mais no sentido de agressão às leis da natureza que o regem, com a conseqüente produção/reprodução da energia material humana mortal ou negativa, que alimenta e faz crescer no ser humano o espírito de destruição.
Recuperada a racionalidade de seu interlocutor histórico (sabedoria popular) e desmistificada a realidade do pecado original, o cristianismo tem todas as condições de voltar a capitanear a evolução histórica da humanidade. À luz dos Evangelhos: “serão dois em uma só carne”, “deixai que os mortos enterrem seus mortos” e “eu vim vos trazer vida, e vida em abundância”, o ser humano já dispõe das condições objetivas e históricas de cumprir plenamente a missão do processo de criação: “Crescei e multiplicai-vos”. Agora, num progressivo processo de desenvolvimento do seu verdadeiro espírito de criação, alimentado pela energia material humana vital/positiva, que ele estará diuturnamente produzindo/reproduzindo, numa sociedade sendo reconstruída pelas leis do amor e da solidariedade.

G.Fábio Madureira