Linguagem da dor

Superação do cio biológico: A história humana (individual e coletiva) é determinada pela superação do cio biológico da fêmea em busca do cio psicobiofísico.          A Sabedoria Popular sempre considerou a dimensão da Energia Material Humana na sua visão de mundo.          O afluxo sanguíneo é que gera a potência genital, seja no homem, seja na mulher.          As doenças do corpo e da mente são alimentadas pela energia material humana mortal/negativa.          Fusão genital é o modelo de relação sexual onde homem e mulher vivenciam sua potência genital.          O modelo de vida (individual ou coletiva) da auto-regulação pressupõe a consciência e o enfrentamento da realidade do pecado.          A noção de pecado originária da Sabedoria Popular é porque essa sempre considerou a dimensão da energia material humana na sua visão de mundo.          Para a Sabedoria Popular pecado é a transgressão de alguma lei que rege a natureza humana.          Potente é quem, mais do que em suas capacidades, tem consciência de seus limites e os respeita, buscando sua superação.          A vivência da virtude nos faz potente e a vivência do pecado nos deixa impotente para amar e gozar a vida.          Não existe pessoa desorganizada: uns se organizam para ter paz, outros para ter aflição.

A linguagem da dor 1

O objetivo deste capítulo é recordar o essencial do que já vimos anteriormente, para uma melhor compreensão da postura que venho defendendo sobre o enfrentamento da dor. Tal postura se contrapõe àquela, reinante em nossa cultura, que nos leva a fugir da dor, através de vários artifícios, e com um falso e ilusório discurso de busca de prazer, de erotismo ou de felicidade.
A definição de dor que tem guiado o meu enfrentamento a ela, tomei-a do do-in: “dor é um desequilíbrio na relação entre energia e massa”. Se a X massa corresponder X energia, temos uma situação de equilíbrio, portanto, de bem-estar. Essa situação de equilíbrio é que dá a calibragem certa do nosso grau de sensibilidade, permitindo que nos relacionemos com o mundo externo (calor, frio, pressão) com uma sensação de prazer, segurança e firmeza.
Entretanto, se a X massa corresponder X – 1 ou X¹ de energia, teremos uma situação de desequilíbrio. Essa situação vai gerar um estado variável entre a hipersensibilidade e a insensibilidade. A insensibilidade impedirá a percepção da realidade externa. Por sua vez, a hipersensibilidade provocará uma percepção distorcida da realidade, causando incômodo que, se não resolvido, se transformará em mal-estar que, por sua vez não resolvido, redundará em dor e essa, não compreendida e enfrentada, provocará as chamadas doenças ou até mesmo a morte, dependendo do grau de desequilíbrio. Tanto a hipersensibilidade como a insensibilidade causarão, em graus diferentes, uma postura de insegurança e medo ante a realidade.
O homem tem se organizado no sentido de criar meios e modos para conviver com o mal-estar (sapatos, roupas, almofadas, colchões, perfumes, cosméticos, etc). Entretanto, não consegue suportar a dor, geralmente com ela convivendo através do uso de anestésicos e analgésicos ou, em outras palavras, através de um processo de insensibilização, que só amplia a sua relação de medo e insegurança frente à realidade.
Também de acordo com o do-in, a técnica mais usual para podermos dissipar a dor é a auto-massagem. Através dela se permite uma redistribuição da carga energética, propiciando a reconquista de uma situação de equilíbrio: X = X. Para tanto, o relaxamento é um pré-requisito indispensável, é uma condição sine-qua-non. E geralmente está aí a causa dos nossos fracassos no enfrentamento da dor.
Oriundos de uma cultura que supervaloriza a força da tensão, a nossa primeira reação diante da dor é ficarmos tensos, impossibilitando a situação de relaxamento e conseqüente enfrentamento produtivo da dor. Por ser a dor um sinal de agressão ao nosso organismo, é natural que nossa primeira reação seja de nos tensionarmos. É a forma primitiva de nos defendermos, enviando mais energia para o tecido ou órgão agredido. Entretanto, se esse fluxo não é barrado, a tendência é de se aumentar o grau de desequilíbrio entre energia e massa, com conseqüente aumento da dor. Quanto mais tensos ficamos, mais sentimos dor.
Como nossa aprendizagem não tem sido no sentido da compreensão e do enfrentamento da dor, essa só nos causa medo. Por seu turno, o medo aumenta o grau de tensão e conseqüentemente a intensidade da dor, gerando um círculo vicioso que, se não for quebrado, de nada ou pouco adiantará a massagem preconizada pelo do-in. E esse círculo só será quebrado através do relaxamento, que supõe a inexistência de medo da dor e a vontade e capacidade de enfrentá-la a fim de que com ela aprendamos mais sobre nós mesmos e sobre o mundo.
Creio que aí está a explicação para o nosso constante estado de tensão e a nossa permanente dificuldade ou até impossibilidade de relaxar. A nossa experiência com a dor tem sido de fuga e quase nunca de enfrentamento. A nossa postura diante dela é geralmente no sentido de nos insensibilizarmos. Haja vista os meios de que dispomos para lidar com ela: analgésicos e anestésicos, cujo papel é escamoteá-la de nós.
Outro exemplo de nossa postura de fuga é a tendência crescente de almofadar todos os objetos com os quais nos relacionamos: cama, travesseiros, assentos, sapatos, a fim de não termos partes do nosso corpo pressionadas, provocando mal-estar e até dor.
Se esse corpo estivesse totalmente com sua matéria em equilíbrio (X energia = X massa), nenhuma de suas partes doeria sob a pressão do seu próprio peso. Por que então ao deitarmos em um lugar duro podemos sentir mal-estar ou até dor no ponto em que a cabeça repousa?
Voltamos à questão básica do não enfrentamento da dor. Como desde tenra idade nosso aprendizado é no sentido de escamoteá-la via analgésicos, o nosso corpo vai-se tornando progressiva e cumulativamente um depósito de dores, o que faz com que andar descalço provoque dor e assentar ou deitar em lugares duros nos traga mal-estar.
Por que todo nosso aprendizado tem sido no sentido do não enfrentamento da dor?
Como a idéia de dor está diretamente associada à idéia de morte, acreditamos estar alimentando o nosso instinto de sobrevivência com a nossa postura de fugirmos da dor.
Entretanto, quanto mais dela fugimos, mais da morte nos aproximamos. Na realidade, temos dois tipos de morte: aquela que faz parte do ciclo natural da vida, a que chamo tanatos, e uma outra resultante do nosso processo histórico, que é a morte que tememos. A tanatos não tememos. Faz parte do processo natural, impulsionando-nos à produção e reprodução de energia vital que alimenta o amor à vida e, conseqüentemente, o nosso instinto de sobrevivência.
O que tememos, de fato, é a morte que nós mesmos criamos e recriamos pelo progressivo processo de agressão à nossa própria natureza. Tais agressões redundam na produção e reprodução da energia mortal, cujo sintoma é a dor. A não compreensão dessa realidade nos faz estarmos sempre escamoteando a dor, acreditando que por aí estamos alimentando o nosso instinto de sobrevivência. Na realidade, estamos é acumulando e ampliando a carga de energia mortal (negativa) que, por ser artificial, vai-se depositando em tecidos e órgãos do nosso corpo, fazendo com que organizemos nossa vida individual e coletiva num constante processo de autodestruição.
A estratégia correta de enfrentamento da dor supõe a compreensão e superação do processo de produção e reprodução da energia mortal, condição indispensável para possibilitar um autêntico e produtivo relaxamento, pois só através desse relaxamento podemos nos livrar das cargas de energia mortal herdadas e das produzidas e recebidas na nossa interação conosco e com nossos semelhantes.
Só a libertação dessas cargas negativas nos permite uma real situação de bem-estar. A essa sensação dá-se o nome de alívio, que tem sido cada vez mais confundido com o conceito de prazer.
O verdadeiro prazer só acontece quando já estamos vivenciando uma situação de bem estar.  Essa é a condição necessária para que possamos fruir qualquer relação, nela sentindo apenas energia vital, positiva.  Só esse verdadeiro prazer pode conduzir à sua expressão maior que é o gozo que, por sua vez,  nos encaminha para o êxtase.
Nessa busca, misturei minha experiência e conhecimento sobre a origem e o funcionamento da energia material com auto-massagem, com relaxamento, com meditação e com o que hoje se sabe sobre as funções dos nossos lobos cerebrais, dessa mistura surgindo uma nova prática a que tenho dado o nome de lobosofia.

 1Esse texto constitui o XXX cap. do livro “Racionalidade da Sabedoria Popular: energia material humana e sexualidade”, cujo autor é G. Fábio Madureira